Nos últimos 52 anos, o físico John Mainstone zelou por uma experiência que nos faz sorrir de ternura quando a descrevemos: um pedaço de betume, ou alcatrão natural, que parece sólido à temperatura ambiente mas é na realidade um fluido, foi deixado dentro de um funil de vidro. O que acontece nos anos seguintes — sim, anos — é a formação de uma gota, que cai ao ritmo médio de uma vez por década. Em toda a experiência, iniciada há 86 anos na Austrália, caíram oito gotas e a nona está em suspensão. John Mainstone morreu na semana passada, aos 78 anos, devido a um acidente vascular cerebral, sem ter visto a queda.
O físico deparou-se em 1961 com a experiência, o funil de vidro tapado por uma campânula, assim que chegou à Universidade de Queensland, na Austrália. Nessa altura, já a experiência decorria há muito. Tudo tinha começado com Thomas Parnell, também físico, que queria ensinar aos seus alunos, e ao mesmo tempo diverti-los, as propriedades fantásticas do betume, uma mistura complexa de hidrocarbonetos, usada por exemplo para impermeabilizar navios e vedar juntas. Parecia sólido, podendo até partir-se com um martelo, mas era um material viscoso, portanto um fluido.
Parnell aqueceu betume e escorreu-o para o funil, com a parte de baixo tapada. Esperou três anos para tudo assentar, até abrir a parte de baixo e deixar actuar a gravidade. Foram-se fazendo registos: a primeira gota caiu em 1938, as outras em 1947, 1954, 1962, 1970, 1979, 1988 e a oitava em 2000. Parnell nunca viu uma a cair.
E Mainstone perdeu a última, porque nesse instante a câmara de vídeo, que transmitia a experiência na Internet,estava desligada. “Falhou na altura crucial”, escreveu o físico na revista Australian Physics, em 2005.
Ainda que reformado, continuou a guardar a experiência e a ir à universidade até à semana passada. Mas já tinha arranjado quem o substituísse quando cá não estivesse. “A dedicação de Mainstone a esta experiência muito para lá da sua reforma permitiu que media, cientistas e estudantes compreendessem a ciência por trás dela”, disse Halina Rubinsztein-Dunlop, da Universidade de Queensland: “A morte de John é triste porque, no seu tempo de guardião da experiência, não viu cair uma única gota.
Mas se esperou em vão pela experiência pela qual zelava, John Mainstone viu uma gota de betume soltar-se, só que apanhada em vídeo noutra experiência, um pouco mais recente. O feito foi notícia em Julho, quando o Trinity College, em Dublin, na Irlanda, divulgou a sua experiência, em curso desde 1944, mas caída no esquecimento. Em Maio, com a última gota à beira da queda, o físico Shane Bergin e colegas do Trinity College começaram a transmiti-la na Internet. Na madrugada de 11 de Julho, uma gota desprendeu-se.
Embora não haja muita ciência para fazer (o interesse é mais histórico e de divulgação científica), espera-se saber mais sobre o processo de ruptura e a viscosidade do betume. “Fui apanhado de surpresa com notícias de que alguém no Trinity College tinha montado uma experiência da queda da gota de betume em 1944 e que, recentemente, professores de física descobriram o dispositivo num armário”, contava então John Mainstone ao PÚBLICO. “A [revista] Nature enviou-me o vídeo para que eu o comentasse.”
Dizia ainda por que nos maravilhavam estas experiências: “O betume continua a fazer o que tem de fazer a um ritmo muito lento, sem nunca se apressar, ao mesmo tempo que os relógios marcam a passagem inelutável dos segundos e lembram-nos das coisas que devíamos fazer.”
Em 2002, o dispositivo australiano entrou no Livro Guinness de Recordes Mundiais como a experiência laboratorial mais longa em curso e, em 2005, ganhou um IgNobel, prémios para a ciência mais divertida e inacreditável, “por fazer as pessoas rir primeiro e pensar depois”. John Mainstone foi receber o prémio e achou a cerimónia dos IgNobel “absolutamente magnífica”.
Vídeo com reportagem sobre o projecto (em inglês):
Fonte jornal Público por Teresa Firmino
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