Vila Verde: Escritora nascida em Vila Verde, Maria do Céu Nogueira, dá entrevista ao Correio do Minho



Era uma vez...”, diz-nos a escritora Maria do Céu Nogueira, que acaba de lançar mais uma obra de contos infantis, “continua a ser mágico”.
Não há computador Magalhães que tire magia à fantasia das crianças, considera, em entrevista ao Correio do Minho, esta escritora, nascida em 1933 em Vila Verde e licenciada em Filosofia pela Universidade Católica Portuguesa (Braga).
Dedicou 40 anos de vida à actividade docente, e década e meia à extinta associação Autores de Braga. Maria do Céu Nogueira continua a criar histórias para reclusos no estabelecimento prisional como para crianças, tanto na hora do conto onde vai regularmente à Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, como pela palavra escrita.
Acaba de publicar, em edição de autor, “Histórias Memórias e Contos Tontos” — mais uma obra dirigida a um público infanto-juvenil, que preencheu a sua premiada bibliografia, embora pontuada com incursões em outras áreas. Estes são pretextos para uma conversa sobre como esta escritora e professora aposentada vê, hoje, as fantasias feitas histórias.

Correio do Minho — São histórias que, mesmo não sendo fábulas, têm personagens centrais que são bichos?

Maria do Céu Nogueira — Não todas, mas quase todas. Há os ursos, há o grilo, esta mete gente que quer apanhar o grilo para o meter na gaiola mas o grilo ama demasiado a liberdade.

Nas suas histórias, personifica esses animais?

Personifico a nuvem, o sol, a neve, os elementos da natureza. O Grilo Sábio, o Anão Sabichão e o Saltitão, a História do Gato de Rabo Comprido, o Cágado Damião. Os mais pequeninos não são capazes de estar quietos mais do que três quartos de hora. Até aí, com com gestos e com brincadeiras, eles ainda aguentam. Depois disso já começam a mexer-se, a dizer que querem fazer chichi, que têm sede. Mas são muito criativos e até fazem perguntas e alteram. Tenho ido a histórias, onde alteram o final da história quando não gostam da proposta original.

São histórias de memórias que viveu ou ficção no seu sentido mais puro?

Meti 'Memórias' no título porque vou buscar à minha infância aquelas coisas que a minha mãe me contava quando era pequenina.

Essas histórias, algumas delas com décadas, continuam agora a fazer sentido? Ou fenómenos como a evolução tecnológica de algum modo vieram reduzir o sentido a uma história?

Eu não sei se perderam, o sentido. Se perderam, ainda mal. Há coisas que não podem perder-se. Eu não sou contra os computadores. Há quatro anos, quando me diziam que eu ainda haveria de escrever as minhas histórias num computador, eu responderia que gosto é do papel em branco e da caneta.
Mas hoje escrevo em computador. Não sou tão avessa à evolução como isso.

O que pensa da disponibilidade das crianças, actualmente, para escutarem ou lerem histórias? É a mesma que tinham antes de lidarem com as novas tecnologias, como hoje fazem desde tenra idade?

Agora que me está a falar nisso estou a lembrar-me de uma história que contei na Biblioteca Lúcio Craveiro, onde faço a Hora do Conto. Contei uma história com magia. Disse-lhes logo: esta história tem magia dentro. Depois, vocês vão ver como descobrem a magia que tem lá dentro. Não imagina, era tudo do Harry Potter, tudo do Senhor dos Anéis, resolviam-se problemas atra-vés de monstros que chagavam, que tiravam e que punham. Eu nunca li o Harry Potter nem o Senhor os Anéis. Mas as crianças já não me resolvi am a magia que eu queria que resolves-sem, com duendes, com gnomos, com fadas... essa gente que existe em florestas virgens, se houver alguma floresta virgem em algum lado, o que eu duvido.

As crianças estão a acusar alguma invasão pelo mercado editorial?


Um bocado. Mas estes pequeninos a quem eu dirijo este livro ainda não estão contaminados. Ainda aceitam. 'É mágico!', dizem eles.
E o que é mágico não tem interpretação. Então eu digo-lhes 'vou transformar-vos em gatos...'.
E eles entram no jogo. Participam comigo na história, depois de “transformados em gatos”. Depois faço a magia ao contrário, transformando-os novamente em crianças e pergunto-lhes como foi andar no mundo dos gatos. Eles entram na magia, contando que 'subi a uma árvore, vi uma gatinha, caçámos um rato e dividimo-lo'.

As crianças de hoje ainda continuam a ter propensão para a fantasia?

Eu acho que continuam. Podem ter Magalhães e esses computadores todos que aparecem por aí...

O Magalhães não lhes retira a fantasia?

Pelo contrário: traz-lhes mais sabedoria.
É importante que as crianças dominem as tecnologias. Elas são feitas para serem dominadas e até facilitarem, as vidas.
Mas há algo dentro delas, há algo dentro das crianças que eu tenho em mim, criança criada numa aldeia, cheia de árvores de frutos.
Quando escrevo estou a ver tudo aquilo.

As crianças das cidades não vivem demasiado afastadas dessas realidades? Um grilo para uma criança não é já uma coisa demasiado distante?

Ainda não. Por este andar, lá iremos.
A Quinta Pedagógica é muito interessante.
As crianças vão lá e é interessante ver como gostam dos animais. E depois também há pessoas como a Maria do Céu Nogueira, que lhes conta estas histórias de bichinhos.

Aliás, há instituições como a Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva e outras que vão fazendo programas de contos de histórias. O que se conhece da antiga tradição de contar uma história permanece vivo?

Não sei se essa tradição tem vindo a perder-se. Aqui em Braga houve, há pouco, um ciclo de contos no salão medieval da Universidade do Minho. Foi um espanto! Vieram contadores do Brasil, da Argentina, de Inglaterra, da Espanha. Estava tanta gente que isso constitui prova de que as pessoas aderem.
Adorei, é uma iniciativa muito interessante. Eu até já disse que gostava muito de participar numa coisa daquelas. Vou a lares de terceira idade e à cadeia ler poesia. Eles gostam muito.

Tem ido à prisão ler?

Tenho ido. Este ano, por acaso, não sei porquê o senhor director não me convidou. Gosto muito de ir. Têm sido experiências muito enriquecedoras.

Os reclusos seguem com atenção as suas histórias?


Sente-se bem lá?

Venho com o coração cheio de ternura por aquela gente, pela maneira como me recebem. Estive lá no Natal a apresentar o livro 'A Um Deus Conhecido'.
Foram eles que fizerem a apresentação do livro, lendo um dos contos e depois ofereceram um arranjo floral feito por eles, uma coisa linda. Também fazem poemas.
Tenho poemas feitos por reclusos, há um que me tocou profundamente. Mas quando estou com crianças basta-me dizer: 'era uma vez...' e olho-os; eles ficam suspensos das minhas palavras. Eu repito: era uma vez...' e a curiosidade estampa-lhes os rostos e cria uma mola.
O 'Era Uma Vez' continua a ser mágico, independentemente de todas as tecnologias. Fonte Correio do Minho por Rui Serapicos

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