Vila Verde: Continua a dizer 'não'


É domingo. O adro da igreja de S. Paio em Vila Verde, Braga, está cheio. Idosos, mas também alguns jovens. Acabaram de assistir à missa das 11.00. Aqui é blasfémia falar de aborto, a não ser para organizar a representação da Plataforma Não Obrigado para as mesas de voto no próximo referendo. As duas jovens que o fazem não se identificam. No referendo de 1998, o concelho teve a percentagem mais elevada do "não" no Continente, 89,5%.

Beatriz Soares, 76 anos, reformada, seis filhos e 14 netos, voltará a votar "não, não e não". "É crime. Não se mata quem não tem defesa, já chega os que morrem por esse mundo sem ter culpa nenhuma." Uma das filhas, Maria Aurora, 42 anos, técnica de contas, dois filhos, concorda e acrescenta: "Os meus filhos foram programados, mas, se tivesse ficado grávida sem querer, também os tinha."

Acabaram de ouvir uma homilia sobre a "união da família cristã", mas revelam-se pouco condescendentes com quem interrompe uma gravidez.

O padre Rui Tereso, da congregação religiosa Paulistas, não se refere à votação na missa, no entanto o tema não é esquecido no boletim paroquial, onde há uma Oração pela Vida, de João Paulo II. "Já falei em outras homilias e vou continuar a fazê-lo. Não participamos nas acções das campanhas, mas vamos sensibilizar as pessoas para tomarem consciência do que é a vida. Vão ser chamadas a votar e têm de conhecer os princípios da vida", diz o jovem padre, 33 anos, a residir desde Outubro no concelho. Para ele, "há vida a partir do momento em que há embrião!".

A paróquia cedeu uma sala há uma semana para uma sessão do Minho com Vida. Este movimento do "não" irá organizar no domingo anterior à votação uma Caminhada pela Vida no concelho, cerca de três quilómetros entre o centro de Vila Verde e a Nossa Senhora do Alívio.

Religião decide

Sai-se do círculo da igreja e o tom do discurso mantém-se. Sejam as pessoas que se juntam à tarde na Praça de Santo António para ouvir o cantar aos reis (7.º Encontro de Reis de Vila Verde). Seja entre os que espreitam a Feira de Antiguidades (terceiros domingos de cada mês). Sejam homens ou mulheres. O "não" domina em Vila Verde.

"Estou indeciso, porque acho que cada um deve fazer o que quer. Os governantes é que devem decidir essas coisas", diz Carlos Soares, 39 anos, casado, dois filhos. Mas, apesar de assim pensar, votará no "não" se optar por ir às urnas.

"O 'não' ganha aqui porque as pessoas são muito religiosas. É tudo influência do clero, principalmente na zona norte do concelho, que ainda está entre as zonas mais atrasadas da Europa", explica José Lagos, 53 anos, funcionário das finanças, casado, um filho. Acrescenta que esta é a razão por que o PSD está à frente da autarquia, ressalvando que na freguesia de Vila Verde ganha o PS. José será um dos votos locais contracorrente, tal como o dos amigos que o acompanham: Filomena Vieira, 41 anos, técnica de biblioteca, Palmira Fernandes, 47 anos, solteira, administrativa da câmara, e Paulo Gomes, 30 anos, solteiro, comerciante e com um curso de teologia por acabar.

As duas mulheres são católicas praticantes, Filomena faz parte do coro da igreja, mas dizem pensar pela própria cabeça. "Ninguém é a favor do aborto. Somos contra os abortos que se fazem clandestinamente", justificam.

Paulo Gomes ainda se lembra da votação de há nove anos, até porque esteve nas mesas de voto a 28 de Junho de 1998.

Explica a elevada percentagem do "não" no distrito por serem sobretudo os idosos a votar - "os jovens, mantiveram-se um pouco à margem", diz . A maior afluência às urnas é precisamente depois das eucaristias. Paulo Gomes acredita que no próximo mês já haverá mais jovens a votar. Fonte DN por Céu Neves

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