Vila Verde: Grupo ‘Raízes’ volta a aparecer com novo CD - Sexta-Feira 13 (Grande Entrevisa no Correio do Minho)



Na noite de 24 de Abril de 2010, em Braga, o Theatro Circo está quase cheio. Apagam-se as luzes.
Pelas 22h15 o actor António Durães, de microfone emissor em riste, entra pela plateia; pede à assistência para desligar os telemóveis. “Não vamos parar a revolução por causa de um bip!”.

É aniversário de Abril e festaja-se um regresso. O mais recente registo discográfico, Caminho d'Água, já datava de 1989.
O espectáculo vai começar: os ‘Raízes’ estão de volta aos palcos, com o álbum ‘Sexta-feira 13’.
'O meu bandolim', instrumental, iniciado com som de bilha e 'Menina da saia branca', cheio de riqueza rítmica, são os dois primeiros temas de uma noite que vai evoluir em crescendo.

Convidados acrescentam sons e ritmos à festa

Os ‘Raízes’ trazem convidados: o flautista José Marques vai juntar-se ao grupo para interpretar 'Beirãs', depois entra o galego Mini Rivas, “que já conhecemos há trinta anos” — diz o Xico Malheiro. Longos e brancos cabelo e barba de visual a lembrar Georges Moustaki e voz rouca, um português quase perfeito, palavras de solidariedade entre os povos.
“É uma honra estar aqui no aniversário da véspera do dia que mudou este país e deu muita esperança do outro lado do Minho”, diz Mini Rivas, que canta, toca sanfona e fala com o público. Os galegos saudaram a madrugada de Abril que trouxe a liberdade a Portugal. “Como um irmão te falo...”. Mini Rivas toca dois temas com Mero.

A seguir o Theatro Circo parece uma rua por onde marcham os Zés Pereiras da ‘Equipa Espiral’, entra em palco o grupo de gaitas, a tocar pelas portas laterais e de fundo da plateia; os bombos ribombam; os ‘Raízes’ cantam: “Vou-me embora, vou partir”. O Grupo Espiral desdobra-se em formações: seis gaitas de foles mais nove bombos; os restantes 15 elementos marcam o ritmo nos aros dos timbalões e caixas. Segue-se a entrada do tocador de concertina Mikael Barros, toca-se o S. João e ao décimo primeiro tema o público escuta 'Sexta-feira 13', faixa que dá nome ao álbum que está agora a ser apresentado.

A controlar os sons está Giovani Goulart, mas logo a abrir a segunda parte o brasileiro deixa os botões da régie ao cuidado do produtor Fernando Andrelino, sobe ao palco e toca o piano de cauda, acrescentando à festa de sabor popular e minhoto um swing seguido da Escola Sons e Companhia, uma formação de Barcelos, mas também os Camerata Bracarense — colegas de estudo sobem ao palco e dão ao espectáculo um toque erudito.

António Silva: “parecia uma segunda primeira vez”

Dos ‘Raízes’ que lançaram sucessos como o tema ‘Boiada’ saíram vozes que, segundo parece, não vão voltar. Outros ficaram a ensaiar, todas as semanas, mesmo durante os anos mais recentes em que o grupo pareceu ter desaparecido.

António Silva, um dos resistentes da formação inicial que ficou dando continuidade ao grupo que hoje incorpora novos músicos, confirma o que é público “houve alguns contratempos, de alguns elementos, que, ou por vontade, ou forçados, se zangaram e saíram do grupo.
Houve tentativas para que regressassem, especialmente um, mas não foi possível. Perdemos a paciência e nós os três, eu, o Zeca e o Xico e convidámos amigos de longa data.”

Regresso significava não baixar os braços

Sentiu neste regresso ao palco algum nervosismo especial, como se fosse uma segunda primeira vez? — perguntamos, adiante, ao nosso interlocutor. Ele concorda: “parecia mesmo uma segunda primeira vez.
A primeira vez, no 25 de Abril de 1980, até foi mais fácil, porque não havia tanta responsabilidade. Foi quase improvisado, um micro para toda a gente, e umas escadarias. E não envolvia tanta gente”. Este regresso significava não baixar os braços, não deixar morrer o nosso gosto já antigo de 30 anos.
O que vos disseram os amigos? — indagamos. António Silva responde: “estava gente da música; no fim disseram-nos que ao princípio notaram da nossa parte algum nervosismo”.

Paulo Rocha: A primeira vez com os Raízes e logo no Theatro Circo

“Para mim foi mais difícil, porque foi a primeira vez que toquei com os ‘Raízes’, foi complicado”, admite Paulo Rocha, que ensaiou pela primeira vez com o grupo em Setembro de 2009. Estes meses foram suficientes para um entrosamento musical: “nas últimas semanas eram quase diariamente. Foi tocar duro, apertado, com horários de trabalho.”.

“Já conhecia o António, o Zeca e o Xico de outras andanças e de outros grupos. Mas há sempre o peso do nome ‘Raízes’ e do palco do Theatro Circo. Mas trazia comigo outras experiências musicais”. O novo elemento sentiu-se integrado quase de imediato: “tive alguma dificuldade no início mas durou pouco tempo; eles puseram-me à vontade e era um trabalho que já estava habituado a fazer”.

Zeca Torres: Era uma vez em Barcelos no 25 de Abril de 1982

“O meu primeiro espectáculo com os ‘Raízes’ foi em 25 de Abril de 1982 em Barcelos, lembra Zeca Torres”.
O regresso, após tantos anos de ausência de contacto com o público e com o palco “foi uma sensação boa” considera. “Ao princípio a gente está um bocadinho coisa, mas o espectáculo começa a andar e a gente arranja-se”.
As crít icas têm sido boas, adianta: “ainda há pouco estive a conversar com o António Pinto de Carvalho, construtor, e ele disse-me para o pessoal pode contar com ele para o que for preciso com instrumentos e pediu para o avisarmos quanto tivermos um espectáculo”.

“Theatro Circo encheu de forma calorosa”

“O Theatro Circo esgotou, mas mais importante do que isso foi a forma calorosa como o público acolheu o grupo” — diz-nos Fernando Andrelino.
O empresário e produtor do espectáculo que assinalou o regresso dos ‘Raízes’ realça a complexidade que implicou a articulação em palco de 125 elementos e o esforço nesse sentido desenvolvido pelo técnico de som (e pianista) Giovani Goulart. Mas deixa, contudo, uma crítica para com a administração do Theatro Circo, dizendo ter conseguido para testes de sons apenas duas horas.

“Lamentamos que não tivéssemos tido tempo suficiente para o ensaio. O palco só nos foi disponibilizado a partir das 14 horas. Porque até lá houve outro espectáculo da parte da manhã. Depois ainda houve que montar as coisas. Só ficou tudo em condições às cinco da tarde para fazer um teste de som que tinha de ser feito até às sete da tarde”, explica, considerando que

“como profissional de espectáculo custa-me a acreditar que uma sala de espectáculo com um funcionamento destes. Não me parece que seja a forma de trabalhar a cultura na cidade de Braga. Isso reflecte-se. O público não se apercebe destas coisas. Mas nós, profissionais e músicos, apercebemo-nos de pormenores, de uma ou outra coisa que falha e a razão é que não estão da melhor forma, precisamente porque não houve tempo”, desabafa, louvando, ainda assim, “a qualidade dos intervenientes, que mesmo sem tempo, conseguiram aquele som”.

“O Giovani, sem ter tempo para fazer teste de som, conseguiu um som excelente” — salienta — “e ainda foi tocar piano, director musical e orquestrador. É um homem da música, polivalente, que vai a todas”. “Mas o resultado disto tudo foi extraordinário”, remata.

Agarrar o espectáculo depois dos nervos iniciais

A festa evolui — já madrugada de 25 de Abril, os ‘Raízes’ ficam no átrio do Theatro Circo uma hora a conceder autógrafos.
Ainda antes de um convívio que vai prosseguir noite dentro no Insólito, interpelamos o Xico Malheiro. “Eu acho que na primeira parte estava um bocado nervoso”, confessa. “Mas depois agarrámos o espectáculo”, acrescenta aquele que é agora uma espécie de alma mater do grupo.

Esse nervosismo tinha a ver com os anos que estiveram sem aparecer? — questionamos.
“Nao é fácil”, responde, admitindo ter mais facilidade em tocar do que em apresentar o grupo. “Neste tempo entraram músicos novos. Nós já tocamos há vinte anos, percebemos logo quando um vai errar e logo seguir resolvíamos o problema. Mas acho que isto vai ser para durar e vamos ver se daqui a trinta anos tornamos a abrir o champanhe”.

Perguntamos ainda — foi fácil inserir e articular em palco convidados como um cantor galego, um pianista brasileiro, um grupo de bombos, e um grupo coral?
“É um bocado arriscado fazer um espectáculo destes com o mesmo número de pessoas, com diversas músicas, com variedade de sonoridades, com muita gente no palco”, responde, logo adiantando que “com trabalho a gente consegue, apesar de a gente ter a vida profissional. Penso que a pessoa que estava mais nervosa era eu. Anunciei um intervalo quando não havia intervalo, meti um bocado os pés pelas mãos. Mas acabei por me convencer que era para agarrar”.

Como sentiu a relação que estabeleceu com o público? — indagamos adiante.
“O público gostou. Depois, muitos vieram dar-me os parabéns, acho que os espectadores ficaram satisfeitos.
É o primeiro espectáculo após estarmos seis anos parados. Acho que o saldo é positivo, conseguimos agarrar o público de novo”, diz-nos ainda.
Perguntamos adiante — Estão aqui muitos amigos e muita gente da música.

O que lhe disseram? “Estou muito orgulhoso. Muita gente ligada à música e outros grupos concorrentes Por exemplo, estavam aí os do Canto d'Aqui e um grupo de Caminha. Vieram dar-me os parabéns. Disseram-me que somos como o vinho do Porto.
Claro que também há vinho do Porto que se estraga, mas nós achamos que este vinho do Porto vai ser para envelhecer e ficar cada vez melhor”.

“O público esteve connosco, colaborou nas músicas, principalmente nas que já conhecia. Na segunda parte tocámos temas de discos anteriores. O público já conhecia, agarrou o espectáculo, colaborou, bateu palmas, foi extraordinário”, conclui.

Momento alto na história — em 1989 no Luxemburgo

Um momento alto da história dos ‘Raízes’ é documentado pela edição de 28 de Fevereiro de 1989 do jornal Notícias de Vila Verde. São episódios em destaque numa visita ao Parlamento Europeu e a participação num festival de música popular, no Luxemburgo, a convite da ASTI — Association de Soutien aux Travailleurs Imigrès. O grupo ficaria no grão-ducado a actuar para dar resposta a outros convites entretanto surgidos.
A mesma publicação dá, ao fundo do mesmo texto, notícia de um terceiro álbum, a convite da etiqueta Transmédia, a mesma que editava Júlio Pereira. Fonte Correio do Minho por Rui Serapicos

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