Minho: Onde vive a crise


Quando um homem chora é o desespero que lhe retirou o aprumo, o embalou numa inutilidade que, no Vale do Ave e Cávado, se chama desemprego. Quando uma mulher crava as unhas no salário mínimo sabe que só ela aguenta a casa. Ali, a crise chega sempre com mais força. “Ninguém sabe o que é não poder ser útil”


Acredite no que lhe digo: se tivesse uma arma já cá não estava', desabafa Belarmino Dantas, numa casa com dois filhos menores e a sobreviver com os 420 euros do salário 'tremido' da mulher, ganho numa pequena confecção. Vale a ajuda de sogros e pais. Com os olhos molhados – o desespero arruma com o aprumo do estereótipo masculino – avisa que 'ninguém sabe o que é passar meses e anos sem conseguir trabalho e ver a vida toda a andar para trás, sem poder ser útil nem ajudar quem nós mais amamos'.

A escassez de rendimentos afecta cada vez mais casas. É negro, o cenário em toda a região do Cávado e Ave. Sempre foi, meia volta. Ali, a crise é teimosa, nunca saiu verdadeiramente do capacho da porta. Todos se lembram ainda da pobre década de 80.

A vida – nunca próspera – está agora pior. As falências sucedem-se diariamente. No sector têxtil e na metalurgia, os protestos, as paralisações e os despedimentos são o ‘pão nosso de cada dia’. Multiplicam-se as famílias em desespero. Em muitos casos, o desemprego é até encarado como um mal menor, face aos salários reduzidos e em atraso. Mas quem está parado confessa o desespero de não vislumbrar novo patrão, 'seja lá qual for o trabalho'.

A situação abrange áreas mais urbanas e rurais, do interior ao litoral, desde Guimarães a Famalicão, Braga, Barcelos, Vila Verde, Esposende ou Póvoa de Lanhoso. Os empresários também encaram a realidade com muito pessimismo. Queixam-se do descalabro financeiro e não vêem saída. O problema nem sequer está tanto na falta de clientes ou de encomendas. O pior é que não há dinheiro. A Banca quer spreads de 13 e 14%, o que atira os juros para os 16%. 'Nem as coisas mais simples, como contas caucionadas, escapam', reclama o presidente da Associação Comercial e Industrial de Guimarães. Mas, como sempre, o elo mais fraco da cadeia são aqueles que precisam do salário para viver.

'Já vivi muito e passei por crises e dificuldades que só Deus sabe, mas isto agora está de mais. Não sei onde é que isto pode parar', desabafa João Pereira, de cara encorrilhada e o corpo dobrado pela vida, encostado ao portão da empresa Guimafelpos, às portas da cidade de Guimarães. É uma fábrica que já teve outros nomes e empregou cerca de 200 trabalhadores. 'Outros tempos', observa, lembrando os seus 54 anos e a sobrevivência à crise dos têxteis do Vale do Ave nos anos 80.

'Desta vez, a crise vai ser bem mais dura', avisa Pereira, ao lado de outros colegas paralisados, porque já não recebem há quatro meses. Por causa disso, não se orgulha de ser um dos últimos 27 trabalhadores da empresa, que acaba de dispensar outros tantos. 'Estão melhor do que nós, pelo menos recebem ao fim do mês [subsídio de desemprego] e não estão com a corda na garganta', atira Fernando Costa, secundado por colegas de todas as idades. Tem 29 anos, casado, com uma filha de três anos e à espera da ajuda dos sogros para pagar a renda de casa. Não é o único 'à rasca'. É que 'as poupanças já se esgotaram'. 'Vai ser o caneco para pagar ao banco a prestação da casa', confessa também Manuel Costa, a coçar a cabeça e a lembrar que os seus 500 euros mensais são o único sustento da família.

A maior angústia é 'não compreender' o que se está a passar. 'Há trabalho e encomendas, mas depois não há dinheiro para pagar. Não sei o que é que fazem. E olhe que isto já deu rios de dinheiro', assegura João Carlos, lembrando os bons velhos tempos da Sociedade Têxtil Progresso de Covas. Fonte Correio da Manhã por Mário Fernandes

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