Oleiros: Tunisino elogia freguesia


"Aqui respira-se liberdade". Omar Chlendi disse-o à mãe no minuto em que pisou, pela primeira vez, solo português, ontem de manhã. O jovem de 23 anos, um dos internautas de Zarzis preso durante três anos numa cadeia tunisina, tenta apagar memórias de um pesadelo, agora sentado num pacato alpendre de jardim, em Santa Marinha de Oleiros, Vila Verde, freguesia onde moram os avós maternos.

Omar teve de vir a Portugal com a mãe, por questões burocráticas. Abraçou os avós pela primeira vez em 21 anos. Rodeado de natureza, vestido de branco, mantém um olhar sereno e um sorriso sem mágoas. O que passou parece não ter deixado sombras visíveis. Mas as recordações deixaram marcas de "torturas", "maus tratos psicológicos", "desumanidade".

Foi torturado com ferros, com matracas, deram-lhe injecções nos pés, penduraram-no todo nú, para o espancarem. "Queriam que eu confessasse uma coisa que não fiz. Queriam que eu dissesse que andava a planear acções terroristas com os colegas com quem falava na net", conta.

Durante muitos meses, o jovem dormiu sentado em cima de um balde. Numa só cela conviviam 130 prisioneiros. "Depois passei a dormir no chão. Os guardas prisionais tratavam-nos mal", acrescenta. Num joelho, traz enterrado um pedaço de ferro que ali ficou numa das sessões de tortura.

Uma operação resolverá a maleita física. E as psicológicas ? "Também. Sou optimista. Não vou esquecer, vou tentar entender o porquê de as coisas serem assim na Tunísia", sustenta este filho de mãe portuguesa e pai tunisino. A experiência foi marcante o suficiente para que Omar tenha uma nova meta para a sua vida dedicar-se às causas humanitárias. Em nome dos Direitos Humanos.

"Quando o fui visitar de uma das vezes, estava cheio de sarna. Ele apanhou todo o tipo de doenças lá dentro. Só tinham direito a um banho por mês, de água fria", conta Teresa Chopin, a "mãe coragem" que moveu mundos e fundos para resgatar o filho da prisão de Borj el Amri, em Tunis. "Tê-lo comigo é um milagre. Não conheço nenhum caso como este naquele país", remata, enquanto fuma um cigarro.

A partir de Paris, encetou todos os esforços para conseguir apoio de França, país que a acolhe há décadas, em Viarmes, e de Portugal, de onde é natural. "Nunca vou ter tempo para agradecer a toda a gente", continua. A libertação aconteceu em Fevereiro quando, por graça presidencial, mais de um milhar de prisioneiros tunisinos foram devolvidos à liberdade. Entre eles os cinco internautas acusados de "incitar a actos de terrorismo", pela internet.

"Todos os presidiários soltos estavam em fim de pena. Aquilo foi um pretexto para libertarem o meu filho e os amigos", considera a portuguesa, que, aos 16 anos, emigrada em França com os pais, fez as malas para casar com um tunisino de 34 (ver caixa).


A razão para a ida a casa dos pais, em Santa Marinha de Oleiros, mais do que mostrar o neto aos avós, foi uma exigência insólita do Governo tunisino. A documentação dada a Omar apenas lhe permitia a viagem até Portugal, onde agora pedirá o passaporte português que lhe permite ir para França ou outro país.


Anos depois de ter ido para a Tunísia, Teresa deixou o marido e regressou a França, mas os desatinos das histórias pessoais haviam de a obrigar a viver sem os seis filhos, retidos em Zarzis pelo pai, depois de uma viagem que se julgava temporária.

A partir de 2000, um a um conseguiu recuperá-los, por isso garante "A minha luta acabou. Tenho os meus filhos todos comigo". Omar ficou para trás, preso dias antes do encontro com a mãe, depois de denunciado "injustamente" por um polícia.

Apesar de tudo, o jovem não guarda ressentimentos. Prefere tentar mudar mentalidades. E garante que voltará à Tunísia, sempre que puder, nas férias, para rever amigos e família. "Mas não vou tocar na internet. Nunca mais !", salvaguarda. Fonte JN por Denisa Sousa
Foto Lisa Soares (JN)

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