Minho: Clubes absorvem imposto nos preços dos bilhetes (via Correio do Minho)




Nas bilheteiras do Estádio Axa, é já com tributação a 23% do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) que se vendem ingressos para o jogo entre Sporting de Braga e Sporting. Interpelado sobre a subida do IVA, João Gomes, director geral do clube arsenalista, defende que os clubes, “que vivem também a crise, andam há anos a lutar para vencer o maior problema, a falta de adeptos nos estádios”. 

O espectáculo desportivo, e em particular o futebol, quer na carga fiscal quer nos interesses e nas verbas geradas em todo o mercado suportado por esta actividade, “é de todos o mais rentável ao Estado”, sustenta o dirigente. 

Gomes evoca dificuldades na captação de espectadores. “Antes não tínhamos condições nos estádios. Depois, porque os preços eram proibitivos”, lembra, frisando que “os clubes investiram, esforçaram-se e até arriscaram o equilíbrio das contas para superar isso”.
“Agora, estádios quase todos os clubes têm e com condições boas para o adepto”, sustenta, observando que os preços têm vindo a ser “alvo de políticas mais próximas” da capacidade financeira do país. 

João Gomes realça o exemplo do Braga. Além das campanhas para a aquisição de lugares anuais, que nesta fase estão à venda desde 7,5 euros, “tem vindo a praticar preços baixos assumindo tantas vezes esse prejuízo”, questionando que, “depois deste esforço todo dos clubes”, venha o Estado, “principal beneficiário do fenómeno futebol taxar as manifestações desportivas ao máximo”.

Qual a principal consequência? O director geral responde: “das duas uma; ou se aumentam os preços dos ingressos e ninguém vem ao estádio ou então os clubes assumem esse custo. O Sporting Clube de Braga como tem uma política a pensar no sócio/adepto decidiu assumir esse aumento”.

Bancada central por 50 euros

Para o próximo domingo, confronto com a turma leonina com a qual disputa o terceiro lugar, para o público os bilhetes estão à venda pelos preços de 20€ (lateral), 30€ (lateral inferior) e 50€ (central). Para os sócios há ingressos a 20€ no caso da bancada superior, 12€ para a bancada inferior e 3€ para sub-14. 

A nova taxa começou já a ser aplicada a 23% no passado fim-de-semana. “Tragam a família e vamos todos ao estádio assistir à vitória do nosso clube. Domingo, às 16h00, vamos todos ao Cidade de Barcelos apoiar a nossa equipa em mais uma vitória”. O apelo constava da página do Gil Vicente. O clube barcelense recebeu domingo o Nacional da Madeira, competidor directo por um lugar tranquilo na tabela. Os bilhetes para o público em geral foram vendidos a preços entre os 10 euros na bancada nascente e na sul inferior e o valor de 20 euros na bancada poente superior. Os sócios com quotas em dia podiam adquirir dois bilhetes por cinco euros.

Merelinense vendeu entradas a 7 e 9 euros

Também em outros escalões das provas da Federação a posição de serem os clubes a absorver o imposto é acompanhada. Em Merelim, os bilhetes no domingo para o jogo com o Marítimo B, para a II Divisão Nacional, custavam 7 euros para a superior e 9 para a central. 
“Se isto já está mal como está, com mais imposto fica ainda pior”, justifica o dirigente Francisco Araújo, explicando que o clube está a vender ainda bilhetes recebidos antes da subida do IVA e que qualquer actualização só deverá ser considerada se nesse sentido vier uma directiva da Federação ou da Associação de Futebol de Braga. 

Ainda em Merelim, um cerveirense pagou para ver o filho, que joga na turma insular. Mais IVA? Está mal, considera. “Os clubes têm muitas despesas na formação dos jogadores e nas viagens das equipas. Se o Estado vai buscar aos bilhetes mais dinheiro ou os clubes perdem receita cada vez haverá menos público nas bancadas”, avisa.
Em Vila Verde, a turma da casa recebeu o Esposende, jogo da III Divisão Nacional. “Isto já está mal com os preços como estão. Se os bilhetes sobem mais ainda vai ficar pior”, diz-nos Raul Lobo, um adepto do Vilaverdense. 

GD Prado mantém preços até ao final da época

Fomos a um jogo da Divisão de Honra da Associação de Futebol de Braga. No domingo, o Prado recebeu o quase vizinho Martim. A tarde estava de sol mas não foi difícil estacionar nas proximidades do rectângulo de jogo. “É uma questão de termos pessoas nos recinto dos jogos. As assistências têm vindo a baixar. Desta forma vamos tentar manter o que temos que são os sócios habituais e os espectadores das equipas adversárias”, explica Armindo Viana, tesoureiro do Grupo Desportivo de Prado, contando que o clube manteve o preço, apesar da subida do IVA. 

Perguntamos se já fez contas à diferença para as finanças do clube. 
Ainda não há uma ideia sobre o valor do prejuízo, refere, vincando que “temos de suportar a despesa porque já vem pouca gente. Se aumentássemos os preços aos bilhetes menos gente viria ao campo de jogos”. 
Tem uma ideia de qual o prejuízo? Alguma conta feita? 
Ainda não. A decisão está tomada até final da época. 

Finanças não tributam bilhetes do futebol regional?

A Associação de Futebol de Braga não altera desde a época 2009/2010 os preços de bilhetes nos jogos que organiza, com preços entre os dois euros para uma geral da II Divisão Distrital e o mais caro de cinco euros numa central da Divisão de Honra.
O secretário-geral da AF Braga, Jorge Monteiro, realça que não recebe mapas financeiros dos clubes, realçando que desconhece qualquer acção das Finanças no futebol regional.

Economistas e fiscalistas aceitam IVA à taxa normal

O futebol é negócio de milhões. Ganham jogadores, treinadores, árbitros e administradores dos clubes/SAD, diz José Carlos Abreu, mestre em Fiscalidade e docente no IPCA — Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Barcelos. Praticam-se em alguns casos preços ao nível dos artigos de luxo, diz o técnico de contas António Lopes. Ambos aceitam a tributação deste espectáculo à taxa normal. 

O economista Manuel Caldeira Cabral, docente na Universidade do Minho alerta que na presente conjuntura a tendência é para a diminuição da procura nas bilheteiras, mesmo que os clubes absorvam a subida do imposto. Mas se repercutirem o aumento da taxa no preço final do bilhete, então o efeito poderá ser “brutal”, avisa.

Cabral alude à conjuntura de recessão e desemprego. Ainda que os clubes não reflictam o aumento do IVA no preço, a diminuição do número de espectadores deve ocorrer, pela diminuição do rendimento e reafectação de despesas, prospectiva. Mas, acrescenta, se reflectirem o aumento do IVA, aumentando o preço, numa tentativa de manter a receita, os clubes “podem acabar por ter um efeito de redução de espectadores muito acentuado, o que poderá ter reflexos menos positivos no próprio espectáculo”. 

Perante este cenário, em que a perda de receitas será “quase inevitável”, aquele docente da Escola de Economia da Universidade do Minho entende aconselhável que os clubes tenham “uma grande atenção ao controle de custos, para evitar cair em situações financeiras mais complicadas”.

António Lopes: não é aceitável taxa reduzida em artigos de luxo

António Lopes lembra terem passado 25 anos — “muito tempo” —, considera, desde que o IVA foi introduzido em Portugal, em 1986. Este técnico de contas lembra que a realidade evoluiu, Portugal entrou na União Europeia, vieram fundos comunitários e chegou-se à situação actual, “a maior crise económico-financeira” desde a grande depressão dos anos 30 do século XX. De modo análogo, segundo defende, também no que ao futebol diz respeito entre 1986 e 2012 as realidades evoluíram. 

“Em 1986, o caso Saltillo foi o sinal de partida para uma profunda reviravolta no futebol português, catalisando toda uma movimentação que levou o futebol a ser considerado, em 2012, como uma verdadeira “indústria” que envolve milhões. Antes, nos condicionalismos da época, terá sido compreensível a “protecção” (IVA à taxa reduzida) dada, ao futebol como a outros espectáculos. A lei elencava “espectáculos, manifestações desportivas e outros divertimentos públicos”.

Segundo António Lopes “não parece que seja aceitável”, em 2012, continuar a permitir que os bilhetes para os jogos de futebol, “alguns deles a preços verdadeiramente exorbitantes e já qua-se enquadráveis no âmbito do n.º 4 do art.º 104.º da CR que diz que “a tributação … deve onerar os consumos de luxo”, tributados à taxa reduzida. Este especialista entende como “absolutamente certo” que os jogos de futebol sejam tributados à taxa normal.

José Carlos Abreu: aumento deve ser absorvido pelos clubes

Os preços dos bilhetes de futebol são também equacionados por José Carlos Abreu. Podem atingir os 65 euros, ao nível dos mais caros na Europa do futebol, realça. Assim, o docente do IPCA considera que o aumento do imposto deve ser absorvido pelos clubes (se possível reduzindo o seu valor), sob pena de os próprios clubes provocarem o esvaziamento dos espectadores dos estádios. 

“Quem diz que não tem condições para absorver o IVA por razões económicas, também não as terá se não tiver adeptos”, adverte, sublinhando que “muitas vezes esquecidos, os adeptos têm um papel fundamental no futebol, não só pelo que representam desportivamente mas também pelo decisivo contributo a nível económico, quer nas receitas de bilheteira quer no merchandising dos seus clubes”.

A equação da absorção do imposto pode ser mais fácil de teorizar do que de executar. O aumento do IVA vai criar mais dificuldades aos clubes? “Certamente. Mas os clubes/SAD devem pensar como o “negócio” deve ser gerido”, observa. De acordo com Abreu, “nada escapa à austeridade imposta pelo Orçamento de Estado para 2012”. 

Os espectadores do futebol poderão deparar-se com um aumento significativo no preço dos bilhetes, por força do agravamento do IVA - de 6% para 23% - nos ingressos do futebol (Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro de 2011), considera. O mestre em Fiscalidade e docente no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA) admite que os agentes do futebol estão contra o salto de 17% no IVA, “adicionado às dificuldades económicas que atravessamos”, pois irá “contribuir decisivamente para uma forte diminuição do número de espectadores nos estádios”.

Para o docente do IPCA, os factores económicos “influenciam as assistências”. Mas devem ser considerados outros factores como as condições de conforto e segurança, a competitividade, credibilidade, horário dos jogos. 
“Os portugueses antes de gostarem do futebol, gostam que o seu clube ganhe. O espectáculo vive dos estádios cheios, dos adeptos a apoiarem os seus craques”, observa ainda José Carlos Abreu, reconhecendo o futebol como “o espectáculo mais popular no País”. 

Numa conjuntura de grandes dificuldades, acrescenta, onerar o preço dos bilhetes “é retirar alegria e emoção”, quando o objectivo “é que haja mais pessoas a virem ao futebol e não que aquelas que já vêm, deixem de vir”. 
Em sentido contrário, admite, há aqueles que entendem, “como é o nosso caso”, que o futebol profissional “não pode ter qualquer regime de excepção”.

Ao nível do IVA, os clubes já beneficiam da isenção na venda dos cativos, que nos grandes clubes representam mais de metade da lotação do Estádio, salienta. Por outro lado, Abreu considera questionável que as “borlas” no futebol não sejam tributadas em sede de IVA. Em termos fiscais, uma prestação de serviços que o Código do IVA considere efectuada a título oneroso deve, por princípio, estar sujeita a IVA. O bilhete dá acesso ao espectáculo desportivo e, por isso, trata-se de uma prestação de serviços. 

Assim, deve incumbir aos clubes/SAD entregar o imposto (IVA) ao Estado. Porém, os clubes quando, por exemplo, tomam a iniciativa de “abrir” as portas do estádio, é manifestamente impossível de quantificar/valorizar, já que não são oferecidos bilhetes, lembra, vincando que as novas tecnologias, como torniquetes accionados por códigos de barras, não podem, contabilizar o real valor das ofertas já que (presume) o sistema de acesso ao estádio é desactivado e as portas abertas ao público. Relativamente aos convites, Abreu entende como aceitável que não sejam sujeitos a imposto, embora com limites, a exemplo das ofertas de bens.

Em recessão, espectáculos são para “cortar”

Com a recessão que se anuncia para 2012, com “efeitos fortes” para uma parte importante da classe média, “em particular para os funcionários públicos e muitos trabalhadores que poderão perder os seus empregos”, o aumento do IVA, se se reflectir totalmente no aumento de preços “poderá ter um efeito brutal na diminuição da procura dos espectáculos desportivos”, avisa Manuel Caldeira Cabral. 

Sugerindo que sejam os clubes a suportar o esforço não aumentando o preço dos bilhetes, este professor da Universidade do Minho lembra que os consumidores estão “presos a muitos compromissos fixos”, como casa e automóvel, e perante o aumento de preços de produtos e serviços como os transportes e a energia, outros produtos sujeitos a aumento de IVA, etc. os consumidores terão de fazer um ajustamento muito forte nas despesas descricionárias. 
“Terão de cortar mais do que proporcionalmente no que podem cortar. As despesas em espectáculos desportivos surgem nesta categoria”, conclui o docente da UM.

Fonte Correio do Minho por Rui Serapicos

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