Vila Verde: Cultura levada a comunidades rurais através de desfolhada e malhada do milho (Oriz S. Miguel)



A aldeia de Oriz S. Miguel, em Vila Verde, concentrou-se na Casa dos Carvalhais para ajudar a desfolhar e a malhar o milho como se fazia antigamente.
A atividade terminou no interior da capela de Sto. António, para assistir a um dos mais impactantes documentários feitos sobre as gentes e tradições do Minho profundo. A homenagem orgulhosa de uma nova geração às suas raízes, à essência da ruralidade.

A eira da Casa dos Carvalhais foi pequena para acolher a desfolhada tradicional do milho, com espigas douradas e algumas rubras vindas dos campos vizinhos, transportada por uma parelha de vacas.

A Associação de Freguesias de Vale do Homem, com o apoio da quinta e da Junta de União de Freguesias de Oriz S. Miguel e Oriz S. Marinha organizou uma atividade rica, no âmbito da programação turístico-cultural Na Rota das Colheitas. A desfolhada foi o mote para a recriação de outros costumes antigos, num cenário pitoresco, como esta unidade de alojamento em espaço rural.

Enquanto um caldo no pote fervia sob uma fogueira, as broas levedavam dentro da masseira antes de irem ao forno cozer. Já cheirava também a castanhas a assar. Crianças corriam pelos campos e as vacas descansavam agora alimentando-se do que tinham aos pés. O ar enchia-se de cheiros fortes e suculentos, provocando uma pequena vertigem nostálgica.

“Duas dúzias de voluntários”, como informou o presidente da Associação de Freguesias do Vale do Homem, Paulo Jorge Fernandes, dividiram-se entre as tarefas de desfolhar, erguer a meda, e ficar ao fogão para fritar o bacalhau e as pataniscas, os petiscos protagonistas da merenda servida entre as tarefas rurais.

Os adultos brincavam como se fossem crianças, alguns vestidos com trajes antigos de ir para o campo. Há verdadeira paixão na execução destas tarefas, outrora uma obrigação dura. O revivalismo e o convívio tornam mais saturadas as cores alegres das vestes e da envolvência outonal.

O cenário verde é emoldurado por um espigueiro, um sequeiro, duas casas em pedra e uma capela privada, perfazendo a riqueza da Casa dos Carvalhais. Rute Esteves e Nuno Freitas, os caseiros, abraçaram esta ideia com entusiasmo e abriram as portas da quinta à população, um desejo que vai de encontro à estratégia por ambos delineada: levar cultura à população local.

De cidades grandes para meios isolados

Há ano e meio que dedicam a sua vida a este empreendimento, desde que o filho de ambos nasceu. Naturais de Viana do Castelo, Rute Esteves, bailarina e coreógrafa, e Nuno Freitas, arquiteto, tornaram-se empresários turísticos em ambiente rural por causa do filho. “Queríamos que crescesse num ambiente saudável e calmo, proporcionar-lhe melhor qualidade de vida”, justificou Nuno e para este jovem empresário isso encontra-se no meio rural.

Formado em arquitetura no Porto, nos 12 anos lá resididos assistiu ao ‘boom’ turístico que a cidade atualmente vive. A esposa, Rute, esteve sete anos em Barcelona, outra ‘meca’ da cultura. Atualmente consolidam um projeto turístico que propõem uma nova abordagem “de proximidade, tipo ‘chave na mão’” ao turista, descreve Nuno. Mas querem fazer mais. A sazonalidade é combatida com atividades como esta desfolhada e malhada do milho, integrada numa programação com visibilidade como a Rota. “Somos muito a favor de juntar as pessoas, especialmente em meios isolados e partilhar cultura”, explica Rute, “e nós que viemos de cidades grandes temos essa ‘obrigação’”.

Há vários projetos na calha com este intuito de rentabilizar a Casa dos Carvalhais e os seus recursos como torna-la, nos meses de outubro e novembro, uma residência artística, uma iniciativa que resulta da parceria de várias entidades, e que vai permitir que esta seja a residência de vários artistas durante dois meses.

‘Alto do Minho’ exibido no Minho profundo

Abrir as portas à comunidade para a realização de uma desfolhada e malhada do milho foi a ‘desculpa’ perfeita para a exibição de um documentário fascinante, realizado por Miguel Filgueiras chamado ‘Alto do Minho’.

A restaurada capela da propriedade foi o local escolhido para passar o filme de 50 minutos, ao início da noite, depois de concluídos os trabalhos. O autor da obra esteve presente e foi com a distância de dois anos após concluída que refletiu sobre o documentário: “O que me inspirou a fazer este filme foi a cultura que o Homem tem com a terra e com tudo o que está associado. Este filme traz um sentido humano e o espírito do que é o Minho”. O realizador refere que foi “a relação humana escondida por trás do filme” o que mais impacto teve nele e na sua equipa.

No desejo de criar “algo que não tivesse visto ainda e que fosse uma interrogação também no documentarismo”, Miguel Filgueiras percebeu que a nível técnico nunca seria um filme com narrativa, nem personagens. “Teria que ter altos e baixos, como as serras e toda a densidade natural do Minho”, tendo resultado numa “sobreposição de imagens”, como o próprio o diz.

Apesar da distância, fica orgulhoso e feliz por saber que o seu documentário, amplamente elogiado nesse ano, vencedor de um prémio e selecionado para vários festivais internacionais, criou o impacto desejado e inspirou outros colegas a seguir a mesma linha. “Perceber que no final as pessoas entenderam o que viram, mas que o que fica é o que sentiram e não em específico o que viram” é para ele o melhor prémio.

O objetivo da obra fica implícito neste comentário: “os portugueses não se conhecem a si próprios. Conhecem-se por estereótipos. Muitas vezes magoava-me certas coisas que ouvia, como os clichés”. Para o jovem realizador, que gostaria de viver de cinema documental de autor, a sua obra veio mostrar orgulho nas tradições e fazer uma homenagem às mesmas, com uma visão distinta, porém verdadeira.

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