É recorrente falar-se no mundo do espectáculo em ascensão meteórica e esse termo bem pode aplicar-se à minhota Gisela João, de Barcelos, que em poucos meses passou de desconhecida para estrela cintilante em festivais (de fado e de rock), dona do título do álbum do ano para várias publicações (incluindo o Cotonete) pelo seu longo de estreia e esgotando rapidamente duas das mais importantes salas do Porto (Casa da Música) e de Lisboa (CCB).
Esta noite, pode mesmo dizer-se que o Grande Auditório do Centro Cultural de Belém estava sobrelotado, com três filas de cadeiras adicionais à frente do palco. O destino já estava traçado à partida: noite de glória.
O que Gisela João deu foi um concerto de raça, seguindo com quase total precisão a ordem do alinhamento do seu único álbum, "Gisela João". 'Madrugada Sem Sono', 'Vieste do Fim do Mundo' e 'Meu Amigo Está Longe' abrem a actuação de hora e meia, com a cantora minhota a quebrar cedo as formalidades do fado, com as suas passeatas esbracejantes e vibrantes em todo o palco a servirem de embalo para o seu cantar poderoso.
De minissaia e ténis, a jovem fadista canta para cima do espelho (decorado ao lado por um vaso de flores) 'Voltaste', ajeitando o cabelo a meio do dramatismo. E ajoelha-se para interpretar ainda com maior alma 'Sei Finalmente'. O anúncio de que vai ver se tem alguma mensagem no seu telemóvel é o seu jeito de dizer que regressa por breves momentos ao camarim, deixando espaço para os seus músicos - Ricardo Parreira na guitarra portuguesa, Francisco Gaspar no baixo acústico e Nelson Aleixo na viola - tocarem uma guitarrada de Coimbra da autoria de Carlos Paredes, 'Canto de Rua'.
Gisela João volta ao palco com um vestido branco, que chamou mais tarde de «capinha de super-herói», para cantar 'Primavera Triste', antes dos passos de dança em '(Casa da) Mariquinhas'. Depois de 'Sou Tua', a dança de Gisela João é ainda mais espevitada no corridinho 'Malhões e Vira'.
Visivelmente nervosa nos discursos para o público, a voz nunca lhe falha mal começa a cantar. Volta a sentar-se numa das várias cadeiras espalhadas pelo palco para interpretar as «conversas com o coração» de 'Maldição', e canta 'Não Venhas Tarde' (celebrizado por Alfredo Marceneiro) lendo uma carta. O à-vontade em palco de Gisela, maior que o normal para os padrões do fado, é recíproco nalgum público. E os recados para a fadista multiplicam-se de vários pontos da sala. Há quem grite com voz masculina grossa «és linda, mulher maldita», que provoca o riso de Gisela João e um comentário de estupefação.
Logo a seguir, o fado torna-se saltitante com o 'Bailarico Saloio', que termina o set. Para o encore, Gisela João repete 'Madrugada Sem Sono', ajoelhada, como quem é capaz de dar a vida por cada canção a que se agarra. Segue-se o folião 'Antigamente', o tal em que canta que «nasceu fadista». Como o público concordou, pediu-se um segundo encore que apanhou desprevenido parte substancial do público que ouve de pé nos corredores o 'Fado Acácio' e, novamente, 'Bailarico Saloio'.
Noite de triunfo. Mais um para Gisela João. Coliseus para quando?
Vídeo dum dos temas principais de Gisela João "Meu Amigo Está Longe":
Gisela João Ainda não editou o seu álbum de estreia, mas já é um nome e uma voz de créditos firmados no meio do fado. Nasceu e cresceu em Barcelos, longe do habitat dos fadistas e da guitarra portuguesa, mas um dia, ainda criança, reconheceu-se na letra de um fado de Amália que ouviu na rádio enquanto lavava a loiça. A partir daí dedicou-se a cantar em casa e de quando em vez foi arriscando algumas aparições em palcos públicos. No final da adolescência, a convidada deste programa Bairro Alto acabou por mudar-se para o Porto e começou a cantar regularmente em casas de fados. Aí Gisela João percebeu que fugindo ao fado fugia de si e acabou por fazer as malas e viajar até Lisboa.
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